Raphael
Andrade: Ator, Graduando da Licenciatura em Teatro da UFPA.
O coletivo
de Teatro “Palha” – 35 anos de história, trouxe à cena, de forma gratuita, três
clássicos dos fundadores do “teatro do absurdo” que tem fortes características
do chamado “teatro moderno”, instituído a partir do século XX, pós- segunda
guerra mundial. Criado a partir da ruptura do “Naturalismo” cênico que, até
então, dominava as convenções teatrais.
Na
temporada de 18 a 21 de agosto pude assistir ONDE TERÁS QUE ESPERAR... A partir do recorte do texto "Esperando
Godot" (1953) do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906 – 1989).
Era noite,
um grande público estava à espera de adentrar ao teatro – pensei sobre o número
de espectadores: a lotação se fazia por ser gratuita, ou por ter a oportunidade
de ver um teatro não habitual em terras tupiniquins? Bom, isso são questões que
vão além do meu métier enquanto
artista desta terra (apesar de já ter uma noção desta análise). Para mim, que
já tinha lido o referido texto, não tinha expectativa em torno da obra, por
tê-la achada sem nexo e graça. Ainda bem que o hibridismo de formas com que o
teatro pode ser feito guarda surpresas agradáveis que aguçam a imaginação.
Ao ingressar
no lugar da mise-en-scène, fui
transmutado imediatamente para a simbologia dos objetos apresentados – uma
colossal-assombrosa-solitária árvore sem vida feita de folhas de jornal que, ao
olharmos rapidamente, pareciam pedras rústicas dando um ar sombrio em uma
estrada sem começo nem fim, onde a cenografia atende à funcionalidade do
que se pretende, aliada ao figurino bem elaborado com ornamentais símbolos de
morte/vida e o perfeito visagismo das atuantes, que nos remetia a cadáveres presos
no limbo, somados a primeira ação das duas atuantes que com a técnica sonora do
gramellot acrescida de gestos, ritmos
tensos e ruídos, nos transportando para
um lugar pós guerra e todas as suas mazelas imposta à humanidade. Após este
jogo onomatopaico, a narrativa segue com crises existenciais, onde a figura
humana perde a própria identidade – apenas vaga para lugar nenhum.
No prólogo, o encenador já nos mostra tantas
características simbólicas do teatro do absurdo que, a meu ver, não havia a
necessidade das personas se
comunicarem na linguagem habitual – já bastava-nos a sonoridade do gramellot para entendermos os
acontecimentos que a peça nos quer expor, mas entendo que seria de mau
entendimento para quem não soubesse nem o prefácio da obra literária.
No primeiro
ato, contracenam apenas dois personagens “Didi” e “Gogo” dois personagens com
um corpo extracotidiano e sofridos quase grotesco à espera de Godot (não se
sabe o motivo pela espera). Neste exausto diálogo sem nexo, com pequenos traços
estilísticos da tragicomédia nas “brincadeiras mórbidas” de risível
acidez expressam o “sentido do sem sentido” da
condição humana e a amarga interiorização
das personas ao se defrontarem com o nada e da abordagem não racional – características
intrínsecas do teatro do absurdo.
Nesta
elaborada concepção cênica, tudo estava milimetricamente organizado – a
sonoplastia que a partir dos signos sonoros remete-nos ao deserto com sons de
grilos ou do pêndulo do relógio, ou nas sutis modulações do
desenho das luzes – ora dia; ora entardecer; ora noite. Apenas o ruído do strobo me tirou a atenção da encenação.
Quando as ações cênicas davam um ar de enfastiante (temos a péssima pretensão
de saber rapidamente o desfecho da peça), o segundo ato se desenvolve e muda o
foco com a entrada de duas personas, uma
delas escravizada com seu “senhor” acima de sua carcaça exaurida. Reflito: a sujeição a qual uma pessoa “pertence” a outra era para ser
algo impensável, um absurdo. Nesta perspectiva, estamos de tal maneira imersos
no conto abordado que nos parece, por vezes, algo normal frente a todas as
angústias que os personagens nos revelam nesta crise
existencial fronteiriça da contemporaneidade – fome,
(des)caminhos, escravidão, medo, solidão, doenças corporais e da mente,
guerras, vazios e chagas arraigadas nesta sociedade que pretende fugir desta
existência sem prospectiva. Seria esta teatralidade uma linha tênue
entre realidade e absurdo?
A narrativa se estende com a revolta do
escravizado, que de tanto apanhar e ser humilhado, muda a regra do opressor e o
oprimi. Mas não aguenta o fardo pesado de suas dores e desfalece. Apagam-se as
luzes da ribalta, permanecem em cena “Didi” e
“Gogo”, como se nada tivessem presenciado, continuam sua busca incessante por
Godot, até a entrada de um garoto com aspecto natural na sua bicicleta,
referindo que Godot talvez venha amanhã. A espera continua, o luminoso
efeito dos sapatos retirados das mãos e posicionado em frente aos pés,
responde-nos muitas perguntas ou nos fazem calar ao vazio existencial que a
humanidade caminha.
Apagam-se as luzes,
apenas os sapatos estão iluminados, para onde caminhar?
Raphael
Andrade
22
de Agosto de 2016.
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