Detalhes da apresentação de Karina Castro - Internamente. Fotos: EDson Fernando
O silêncio e o vazio
do palco compõem a paisagem inicial da dança(?) de Karina Castro; a cadeira do
espectador (somente um por vez), o smartphone
e o fone de ouvido encerram-nos na angustiante atmosfera provocada pela
desconexão entre os elementos propostos: àqueles que vem a coreografia(?) sem
ouvir a música, fruem(?) ou apenas são espectadores de um ato único e
inusitado? A pagina em branco inicialmente proposta parece ser timidamente
invadida por coloridos diferentes, captados na sutil aliança de olhares e
sorrisos entre a dançarina(?) e o privilegiado que por um minuto porta o fone
de ouvido. As peças desse quebra-cabeça proposto por Karina podem ou não se
encaixar. A recepção desta obra – elaboradas pelos participantes do Curso de Crítica em Teatro e Dança – nos ajudam
nas respostas.
Recepção de Louise Bógea
Audácia
Quando a dançarina
Karina entrou na sala, a minha impressão foi de uma jovem descolada naquele
estilo hip-hop, que traria a todos muita agitação, sendo quase injusto
ter de observá-la sem uma música. Pensei que o seu encanto seria roubado, mas
eu estava enganada. Ao assisti-la, ainda da plateia percebi que os seus
movimentos repentinamente bruscos e o seu olhar audacioso - sem desgrudar do
seu observador particular - prendiam a atenção. Notei que, mesmo o observador
sentado e ouvindo música, encontrava-se inquieto, enquanto que a artista
parecia estar em sua total área de conforto. A cada vez que um participante
entrava no mundo de Karina, era recebido com o seu talento, e imagino que cada
um deve ter tido uma quase singular recepção dentro de si: desde sentimentos
alegres até sensuais e melancólicos. Isto se deve à criatividade e admirável
capacidade de improvisação da artista, ao expressar-se tão habilmente. Quando
me tornei sua observadora, escolhi a música I see fire, de Ed Sheeran, e
eu realmente pude ver um pouco do seu universo em chamas, que fez,
principalmente, alguns dos rapazes demorarem de retirar aquele fone de ouvido.
Em última análise, acredito que a plateia quase se levantou para ir ver Karina
mais de perto, para se queimar também e se perder internamente em seus
encantos.
Recepção
de Álvaro de Souza
“Externamente”
Movimentos conexos – desconexos;
grandes – pequenos; exagerados – sutis; e a dança. Dança? Gestos? Afinal, o que
é dança?
Do lado de fora uma
sensação, ao colocar o fone de ouvido, a interação. Assim é o movimento
externamente do trabalho “Internamente” de Karina Castro. Um trabalho onde você
tem dois momentos, a observação de movimentos de um corpo no espaço, que hora é
bem marcado e hora, me pareceu um pouco perdido nesse espaço. Porém, um
trabalho carregado de um vasto conhecimento e de uma partitura corporal, que
impressiona, e que em alguns movimentos remete aos movimentos do cotidiano,
outra a movimentos que não tem ao certo um sentido, apenas levado pelo que a
articulação do corpo possibilita fazer, ou seja, o movimento pelo movimento,
embalados pelas músicas que estão “internamente” gravadas na memória da
dançarina e impregnadas no seu corpo. Movimentos que em alguns momentos são
carregados de uma forte energia e uma força tamanha, entretanto, em outros
momentos ela se perde, pela sutileza dos pequenos e frágeis gestos.
Assisti, participei e
sai me questionando. Afinal o que é dança para Karina Castro? De onde vem a
fluidez dos movimentos, que ao colocar o fone de ouvido, vão se encaixando nas
batidas da música ouvida por mim no fone de ouvido. Será que é contar os
compassos dos movimentos e isso de alguma forma ta ligado com os compassos das
músicas? É a batida do coração?
Lembrei-me de uma experiência que eu tive com o projeto “Pau e Lata”,
coordenado por Danúbio, em Natal no Rio Grande do Norte, quando o
professor-coreógrafo nos disse, que o ritmo esta dentro de nós, e no inicio da
aula, nos pediu para colocar a mão no coração e escutar o som da batidas, para
nos fazer lembrar que todos nós temos ritmo, que o corpo esta sempre em
movimento provocando sons e sensações, temos apenas que aprender a escutá-lo.
Essa lembrança me fez
pensar na execução dos movimentos de Karina, que dança parecer estar conectada
ao som das batidas de seu coração, apesar de alguns minuciosos e pouquíssimos
movimentos, não estarem em perfeita harmonia com as batidas da música, ouvida
no fone de ouvido, mas que não tirou o brilho e nem a magia de seu trabalho,
que me fez viajar nas minhas idéias e logo imaginar um grande espetáculo, onde
todos os espectadores, cada um com um fone de ouvido, ouvindo a música de sua
preferência, e no palco, um corpo de bailarinos desenvolvendo os mais diversos
movimentos corporais num espetáculo renovador.
Internamente sai
extasiado, com a vontade de ficar ali ouvindo e assistindo a dança de Karina
Castro, vontade quase incontrolável de entrar e dançar junto com ela, se não
fosse pelo dedo do tempo, que me impediu e me trouxe de volta ao movimento externamente.
Recepção de Danielle Francy
A obra “Internamente”
me fez pensar se, ao colocar o fone de ouvido, a música que iria tocar estaria
de acordo com a dança interpretada por Karina Castro, e assim aconteceu. Cada
gesto, cada passo, cada movimento feito pela dançarina acompanhava a melodia
daquela música que, mesmo escolhida de forma aleatória, parecia ter sido
escolhida a dedo por Karina.
Com um figurino básico
e talvez o menos a ser observado, o que fala mais alto são os movimentos e o
olhar com o qual Karina Castro envolve quem está à sua frente.
As batidas da música,
desconhecida para mim, tomou uma magnitude ao longo de 1 minuto que foi
rapidamente interrompido sem, no entanto, diminuir a sensação contagiante
daquele momento. Se for essa a sensação que a obra “Internamente” deve provocar
dentro do expectador, com certeza alcançou seu objetivo.
Recepção
de Andrey Gomes
O teatro em sua
natureza serve ao ator, sua engenharia é construída em torno dele, embora
dependa da conexão com o público, propostas como a de Karina Castro rompem a 4°
parede e atingem os limites da subjetividade.
Uma cadeira e um
celular com fone de ouvido compõe a cenografia - somos convidados a selecionar
uma música em meio às opções disponíveis no aparelho. A performance parece mais
acompanhar a emoção de quem assiste, do que o ritmo da música; a conexão é tão
precisa que tudo parece sincronizado, sensação de projeção onírica ensaiada em
nossa intimidade.
A atriz dança e
representa, ora movimentos clássicos, ora contemporâneos, uma performance única
para quem vê e sente que o âmago é o objeto a ser atingido; ao levantarmos da
cadeira, nos afastamos da experiência que antes infusa e imaginada
internamente, tomou forma e correu livre em uma realidade que só na arte podemos
penetrar.
Recepção
de Paula Barros
Catarse
Como foi seu dia? Todos
estão bem? Algum problema? O que te leva a ouvir música? E no fim qual o benefício
da música sobre você? Ao sentar e ter que escolher uma música dentre muitas e
em apenas um minuto observar a dançarina se expressar a minha frente, só posso
dizer que o olhar penetrante de Karina e a música escolhida me despertou um
choque de sensações diversas, que se deu através do meu estado emocional, com
as emoções e a memória corporal da dançarina representado por seus movimentos.
E por fim, as emoções podem ser expressa por uma palavra: provocante. Mas, a sua palavra pode ser outra, pois afinal cada
espectador em um minuto tem a oportunidade de observar pelo seu olhar a catarse
nos movimentos de Karina.
Recepção de Darciana Martins
O
que falar de algo no qual me vejo constantemente, como atribuir desvalores a ao
trabalho de alguém que tenho um apego, me vejo perdida nas próprias palavras
quando me deparo no trabalho da Karina, ver como é difícil falar do trabalho de
pessoas que você admira, trabalha, vive junto.
Quando
ela propõe um trabalho chamado internamente onde às musicas embalam e conversam
com teu interior, com teu corpo, tuas vivências, com o que ela dança pra você
em particular. E como dançar todos os dias dentro do ônibus indo para aula,
onde alguns expectadores percebem a sua dança interna e outros não...
Quanto
o que para muitos parece loucura, improvisação, performance, para mim e meu
despertar, meu bom dia para a vida. A Karina me faz entender que temos mais em
comum do que eu imaginava, pois é difícil fazer com que os outros entendam a
nossa essência, nossa dança.
Recepção de Carla Baía
Ao
começar a apresentação, fiquei um pouco incomodada com a disposição das pessoas
em relação à Karina Castro. A meu ver o fato das pessoas estarem vendo às
outras assistindo a apresentação, influenciaria de algum modo como aquela
informação seria recebida e acabaria com aquele “gostinho de surpresa”, esse
foi o meu primeiro pensamento ao presenciar aquela cena.
Quando
me senti mais confortável em ir, me levantei e sentei na cadeira. E naquele
momento pude perceber o quanto tava enganada em relação ao meu primeiro
pensamento. Pois naquele instante era apenas eu, a música e a Karina, lá dançando
conforme ao que eu ouvia. Acredito que isso só foi possível porque o fone de
ouvido tem esse poder de nos isolar do que acontece ao nosso redor.
Ao
selecionar a música, não escolhi algo especifico, apenas fui à primeira música
que estava ao alcance do meu dedo e quando cliquei, olhei para a Karina Castro,
ela estava dançando lentamente, no mesmo ritmo da música, parecia que foi
ensaiado, porém não foi o que aconteceu e era o que me deixava estática a
observar cada movimento executado eu sentia que havia uma ligação entre nós,
mas não sabia dizer o que era.
Ao
termino da apresentação ficaram umas indagações em minha mente, afinal de
contas, o que levava ela a fazer os movimentos que ela fazia? Será que ela
imaginava uma música e dançava? O que levou ela a fazer esse trabalho. E quando
finalmente chegou a hora dos comentários eu finalmente pude acabar com as
minhas duvidas.A cada resposta dada por Karina Castro iam se preenchendo as
lacunas de duvidas que existiam. Mas entre as respostas a que mais me chamou a
atenção foi o que levava ela a executar os movimentos, nesse momento vi duas de
minhas perguntas serem respondida e então eu pude entender.
Karina
falou que não pensava em algo especifico, apenas procurava manter-se ligada com
a pessoa através do olhar, procurando passar nos movimentos o que recebia em
seu corpo através desse ponto de ligação. E foi quando clareou e eu abrir meus
olhos com um ar de espanto, naquele dia em especial eu não estava bem, estava
um pouco e perdida nos meus pensamentos tentando achar resposta de algo que eu
não sabia o que era.
A
música eu me lembro perfeitamente o nome, “amor de índio”, nunca tinha ouvido
antes, mas gostei assim que ouvi, porque ela se conectava com os movimentos
feitos por Karina, com o estado que eu me encontrava naquele momento, com o
olhar que eu transmitia e parando agora para pensar lembro-me que era o mesmo
olhar que tava no semblante da Karina, era como se eu tivesse me denunciando e
pondo para fora o que eu não queria admitir nem para mim mesma. Era eu vendo
diante de mim aquilo que eu estava guardando ou escondendo, não sei ao certo,
mas era só meu ninguém sabia. Estava lá intimamente.
Recepção de Silvia Teixeira
Play ou Corda?
Girei a chave para dar corda à música da
caixinha para tocar e foi então que a bela bailarina começou a dançar, mas seu
bailado era diferente da pequena boneca do porta joias que ganhei quando fizera
meus quinze anos.
Em uma caixa, a jovem encontrava-se, na caixa cênica do Teatro Universitário
Cláudio Barradas; e só iniciava seus passos dançantes quando alguém apertasse o
play para tocar a sua música. Que música? Que somente minha pessoa estava
escutando, e ninguém mais naquele teatro. E assim a moça apresentava-se ao público, que deveria ir um a um sentar-se à
frente e próximo da mesma. Com uma lista de músicas a escolha, e um fone para
os ouvidos, a bailarina apresentou-se por um tempo estipulado de um minuto para
cada pessoa.
Então escolhi minha música para embalar
a dançarina e apertei o play com a sensação de ter dado corda, e a jovem
começou a dançar somente para mim. Confesso que em dado momento, procurei ver
se a mesma estaria com algum ponto de Bluetooth e obtendo acesso ao som que era
extraído do aparelho celular, mas não encontrei, só então percebi que seu corpo emergiu com sua própria
musicalidade. Sem as sapatilhas e os famosos “thu thu” do figurino da bailarina
clássica, encontrava-se a dançarina desprendida do Equilíbrio de Luxo ou do
Equilíbrio no Desequilíbrio - Um dos princípios que retornam de Eugênio Barba,
onde os bailarinos da cultura oriental, precisam repetir inúmeras vezes, até
por uma vida inteira os movimentos para obter a liberdade .
Não é a teoria válida para a jovem
bailarina, sua performance fluía desprendida de técnicas específicas rompendo com uma coreografia pronta e um roteiro
pré-estabelecido, utilizando o improviso para lhe dá liberdade de expressão, sendo uma das características
da dança contemporânea.
Ao encontrar-me sentada em uma cadeira e
receptar a obra “Internamente” provocou-me outra sensação diferente da
recordação da caixinha de música: A de ser um homem; um verdadeiro alemão pós Segunda
Guerra, que utilizou-se das danças contemporâneas para orgias, senti-me que
havia pago para a prostituta dançar; aí
já não apertei e play e nem tão pouco dei corda, tive a sensação de que tinha
um chicote na mão que obrigava a jovem ser ousada e sensual.
Recepção
de Roberta Castro
A performance de Karina
Castro é no mínimo provocadora por não
ter uma coreografia pré-conecebida aonde o único aspecto determinado é o tempo
de duração da performance, o qual tinha duração de 1 min cronometrado pela estagiária do curso.
Uma caixa amplificada e
um projetor era o que delimitava o espaço cênico do espaço “sala de aula”
diferenciando e ao mesmo tempo borrando a imagem do restante dos expectadores
localizados num segundo plano, os quais tinha relação indireta com a
apresentação. Nesse espaço cênicotinha uma cadeira, um smartfone com inúmeras
músicas que poderiamser escolhidas aleatoriamente pelo expectador, músicas que
segundo Karina Castro tinham sido preparadas de modo aleatório misturadas com
sua playlist pessoal.
De forma bem despojada,
vestida de bermuda, camiseta, tênis e cabelos soltos a artísta realiza sua
dança para um único expectador, o qual se tornava co-autor da obra a partir do
momento que se sentava naquela cadeira.
Em cada sessão uma relação
diferente, para alguns ela sorria, outros encarava brincava com seu corpo
passando por diversos planos e níveis da Dança gerando séries coreográficas
elaborando histórias e estímulos que induziam sua dança, uma composição que surgia
do Acaso alterando as ações da
performe e as concepções do expectador.
A técnica do Acaso são séries coreográficas que a
princípio não querem comunicar nada, é o movimento pelo movimento, mas que
mesmo sem querer por sua casualidade fazem algum sentido, que foi o que ocorreu
com alguns expectadores que relataram suspeitar de que a intérprete Karina
Castro tinha uma coreografia para cada música e de que ela sabia qual música
tocava no fone deles.
Com um sorriso para
alguns aquilo foi um momento de encantamento, e para outros um momento de
confusão.Mas o que deixara confusas, será a desconexão entre música e dança?
Será o figurino? O que será que passava nas cabeças dessas pessoas onde em
grande parte acredito serem leigas no que diz respeitoa diversidade de
linguagens em dança.
Tudo isso me questiona
levando-me para uma única questão, o público. Será que temos um público
preparado para a recepção desse tipo de trabalho? Até quando vamos ter que nos
deparar com esse tipo de reação. Será que não esta na hora de talvez começar a
se criar estratégias de treinamento para esse público?
Diante dessas questões
provocadoras acredito que mesmo que para alguns aquilo que Karina fez não tenha
feito menos sentido, penso queisso tenha sido objetivo dela, provocar e
provocar.
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