Espetáculo: Oração
ao tempo.
Credenciais do autor da crítica: Dênis
Bezerra é Ator, Diretor e Prof. Dr. da UFPA.
És
um senhor tão bonito
Quanto
a cara do meu filho
Tempo,
tempo, tempo, tempo
Vou
te fazer um pedido
Tempo,
tempo, tempo, tempo.
Caetano Veloso
O
espetáculo Oração ao Tempo, do
segundo ano do curso Técnico de Ator da Escola de Teatro e Dança da UFPa,
dirigido por Marton Maués e Jorge Torre, provocou-me a tecer algumas linhas
sobre o trabalho. Tive a oportunidade de assistir duas vezes, na estreia e na
sexta-feira, em ambos os momentos fui levado às minhas memórias, e à intensa
relação que tenho com os velhos.
Dividido
em quinze quadros, o espetáculo organiza-se como uma grande instalação na qual
os espectadores podem interagir e trocar experiências com os personagens. Cada
história perpassa pela temática da velhice, de um momento na vida do homem
cujos sentimentos se misturam: a morte, a lembrança da juventude, a espera pela
família, por um carinho, um afeto, uma mão para tocar peles marcadas pela
história, sedentas de calor humano.
São
diversos universos apresentados a nós espectadores, que precisamos nos deslocar
pelos vários espaços e estabelecer conexões com as histórias de vida narradas.
Cada detalhe é especial, o figurino, a cenografia, mas principalmente a
interpretação dos atores em comunhão com o passado e presente juntos.
As
palavras que aqui teço não são tomadas pelo olhar apurado de um exercício
crítico, mas tocadas pelas sensações que senti ao presenciar esse digno
trabalho, porque ele é para fruir, e foi isso que ocorreu comigo, a fruição, deletei-me
com o espetáculo, cheguei ao estado de prazer relatado por Roland Barthes, em O prazer do texto:
O que eu aprecio, num
relato, não é pois diretamente o seu conteúdo, nem mesmo sua estrutura, mas
antes as esfoladuras que imponho ao belo envoltório: corro, salto, ergo a
cabeça, torno a mergulhar. Nada a ver com a profunda rasgadura que o texto da
fruição imprime a própria linguagem, e não a simples temporalidade de sua
leitura.
Esse
estado de fruição foi alcançado em vários momentos. No primeiro dia, pelo
impacto de tudo; no segundo, pela sensação de apreciar o que no dia anterior
não tinha sido possível, devido à emoção que me arrebatou, e por ter
presenciado novamente essas histórias. Resolvi interagir mais, mergulhar com
mais profundidade pelo café servido, pela rede que me lembra minha avó, pelos
brinquedos, discos, vitrolas, mosquiteiro, álbuns, fotos que representam várias
trajetórias de pessoas que não conheci, mas que se apresentaram pelo corpo dos
atores ali em comunhão comigo.
Com
relação à interpretação, quase todos me convenceram, cada detalhe, a
transformação de um corpo jovem, pulsante, que aos poucos vão ganhando as
marcas do tempo. As mãos trêmulas, o andar marcado pelo peso do tempo, as vozes
num compasso da experiência.
Os
elementos cenográficos me permitiram viajar para as minhas histórias, aos
momentos os quais convivi com velhos, tanto em minha família, quanto em outras
oportunidades do dia-a-dia, quando encontramos senhoras perfumadas, arrumadas
em suas janelas à espera de alguém ou de um afeto, a contemplar a passagem do
tempo ou à chegada do fim, pois como diz Ecléa Bosi, em Memória e sociedade: lembranças de velhos,
A
lembrança é a sobrevivência do passado. O passado, conservando-se no espírito
de cada ser humano, aflora à consciência na forma de imagens-lembranças. A sua
forma pura seria a imagem presente nos sonhos e nos devaneios.
Quero
destacar duas cenas. A primeira é a de um senhor em diálogo com as lembranças
de sua esposa, representada pela pintura na parede. Ele desenha para não
esquecer. Assim, sobre os papeis surgem cores e formas, imagens e recordações
de sua vida, da mulher amada, materializada pelo deslizar dos lápis coloridos.
A
outra cena, é da velha senhora, envolta por seu mosquiteiro-casa, à espera de
seu amado filho que nunca vem, e que mergulha na esperança desse encontro,
sustentada pelo cordão da realidade, que a faz emergir do mar da saudade para o
aguardar cotidiano. Esse “quadro” me fez lembrar das várias imagens de mulheres
que na história da humanidade esperam por seus filhos, maridos, amigos. O fiar
silencioso enquanto Eles não retornam a sua Ítaca.
Só
tenho a agradecer à equipe de Oração ao
tempo, por ter proporcionado esse momento de lembranças, com cheiros de
memórias em cada álbum, em cada imagem, em cada história apresentada.
O tempo tem tempo de
tempo ser,
o tempo tem tempo de
tempo dar,
ao tempo da noite que
vai correr,
ao tempo do dia que vai
chegar...
Denis Bezerra.
20.12.2014
Denis Bezerra.
20.12.2014
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