Aníbal Pacha momentos antes do início da apresentação de Yael para os participantes da oficina.
Foto: Edson Fernando
Segundo Sábato Magaldi - um dos mais importantes críticos de Teatro no
Brasil - uma das funções da crítica é fixar "em palavras algo que está registrado apenas
na memória dos espectadores.”
Seguindo esta importante contribuição de Magaldi a oficina de produção textual crítica em Teatro e Dança promoveu no último dia 31 de Março o primeiro exercício de recepção de um espetáculo. Os participantes puderam fruir a obra de Aníbal Pacha. Trata-se de uma poética de Teatro de Caixas intitulada de Yael. O resultado desta produção textual pode ser conferida abaixo.
Momento da recepção de Jhonny Russel. Foto: Edson Fernando
Jhonny
Russel
Dramaturgo, diretor e ator de teatro de rua.
Diretor da trupe Nós, os Pernaltas.
O
convidado é um velho conhecido de quem faz teatro na capital Paraense. A imagem
deste senhor carregando á tira colo uma caixa de papelão com alguns buracos me
joga no passado, dentro do ônibus Tapanã Ver-o-peso, passando pelo lado da alfândega
onde, num passado próximo, retratistas se posicionavam e convidavam os clientes
em potencial a tirar uma foto.
No minuto
seguinte estou dentro daquela caixa, não. Estou dentro de um organismo que
pulsa e evolui me levando a segneis de catártica delicadeza. Dentro da caixa um
órgão que pulsa, dentro deste órgão eu.
Com os
fones de ouvido o manipulador consegue, não somente me fazer escutar a trilha
sonora (parte importante do que ali acontece) como me isolar do ambiente hostil
e rotineiro que me cerca. Fazendo deste, recurso indispensável ao objetivo do
artista.
Olhar
dentro daquela caixa é como colocar dois espelhos, um diante do outro. Onde cada espelho refletirá a
imagem do outro infinitamente.
Momento da recepção de Silvia Luz - Foto: Edson Fernando
Silvia Luz
Mestre em Artes
De início meus olhos eram os ouvidos. O fone de ouvido ressoava “tum-tum-tum tum-tum-tum”, algo começou. Fiquei nervosa e emocionada, o meu coração se confundiu com àquele que saía das entranhas daquele corpo-homem com camisa de botões, de repente os botões se abriram um a um, nesse momento esqueci as onomatopeias que saíam do fone de ouvido. Passei a ouvi os meus batimentos cardíacos que ficaram acelerados e ecoaram a ponto de cegar meus olhos, estes tentavam ver o que os meus ouvidos ouviram, mas a pulsação que vinha de dentro da caixa de papelão gritava: _ Estou vivo! Êxtase! No momento era um parto, um ser que acabara de nascer.
Tudo isso eu vi quando
errei o local “apropriado” para observar a apresentação. O vi de cima para
baixo e parecia que aquele ser me chamava, com um grito sussurrado. Ele ficou
grande e eu tão pequena, sua vida ecoava naquela caixa, nesse momento se
tornara pequena. Senti-me no lado oposto, parecia que ele estava fora e eu
dentro da caixa, por momentos meus olhos o procuravam e não os encontrava, pois
o desenho vazado da seta na caixa me atrapalhara de vê-lo, o “tum-tum tum-tum
tum-tum”, ecoava como se fosse o último suspiro, as mãos daquele pequeno ser me
chamavam para que eu adentrasse na caixa de papelão.
A agonia de não vê-lo nitidamente,
por causa da ânsia, que me fez ver a apresentação toda pela seta e não pelo
local apropriado, revelou sua essência, o sopro da vida. Esse olhar me revelara,
talvez o que não veria pelo local certo - a simplicidade de estar vivo. Agora,
eu posso dizer que estava diante de um espetáculo, o da vida.
Momento da recepção de Victor Hugo - Foto: Edson Fernando
Victor Hugo
Graduando em
História
Sensibilidade. É a primeira palavra que vem à mente.
A sensação é de ter recebido o mais sincero e
verdadeiro dos presentes: o coração pulsante do artista-manipulador. Um coração
pronto a parir.
Nesse coração-parto, renasce a cada minuto a criança
da alma de Aníbal, que na sua singela peraltice doa um minuto de sua vida para
nos fazer sorrir.
Me pergunto: na poesia-vida que é ser artista, quantas
horas terão sido necessárias para construir a poesia-minuto em forma de caixa?
Geane Oliveira
Graduanda em Licenciatura em Teatro
Momento da recepção de Geane Oliveira - Foto: Edson Fernando
Geane Oliveira
Graduanda em Licenciatura em Teatro
EMOCIONE-SE
Senhoras
e senhores o espetáculo vai começar. Uma caixa, um boneco, um celular
acompanhado por um par de fones e muita habilidade com as mãos, para assistir
basta colocar o olho curioso no furo da caixa.
O
encanto começa quando coloco os fones no ouvido e fixo meu olho no furo, a cena
se desenvolve a partir da habilidade do manipulador, e esse com o decorrer da
cena parece não mais existir, e vejo o coração ganhar vida transformando-se em
boneco, por segundos acredito que estou dentro da caixa. O som que acompanha a
cena cria um ritmo para meus batimentos cardíacos, é como se este som obrigasse
manter-se em equilíbrio com a cena, apesar de gostar não sei se quero ficar
neste universo de miniatura.
Momento da recepção de Bianca Duarte - Foto: Edson Fernando
Bianca DuarteNúcleo de pesquisa e produção em teatro de rua - Trupe Nós, Os Pernaltas
Um senhor de cabelos já grisalhos, óculos redondos
roupas simples, carregando uma caixa de papelão na altura do peito, esta é a figura que,
com um sorriso meigo, ia definindo quem iria assistir àquele espetáculo.
Ao me deparar com aquele senhor
de pé à minha frente, entregando-me fones de ouvido, finalmente eu iria poder
ver o que continha dentro daquela caixa. Ouço batimentos cardíacos e posso ver
a camisa deste senhor "pulsando", uma espécie de angústia e ansiedade
se fazia presente. Ele retira um coração de pano(este continua vivo, pulsante)
e então de dentro deste coração agora sai um boneco de pano oferecendo-me seu
pequeno coração.
Ternura. Ternura é o que resume
toda a experiência vivida.
Momento da recepção de Andreza Pinto - Foto: Edson Fernando
Andreza Pinto
Graduanda em Licenciatura em Teatro.
Pequeno
grande coração
O
trabalho já começa, quando o artista com sua caixa escolhe quem vai assistir
sua obra, porque lá estava eu, na expectativa, que seria a próxima e ele deu o
fone à outra pessoa. E daí então passou a perceber que minha ansiedade foi
aumentando, enquanto não chegava minha vez e diante da espera, fiquei
observando as reações do artista e de quem estava assistindo, o modo como ele
arrumava algo lá dentro da caixa, e as expressões que fazia, ao mesmo tempo as
de quem assistia, ao chegar minha vez, fui a última, ouvi as batidas de um
coração, que me fez ligar com as expressões que o artista fazia no rosto,
enquanto ele apresentava-se para os outros, era como se ele arrancasse o
coração do lugar, e que passou a ser, partes de um corpo, que mostrava a cada
batida, outras partes desse corpo, até ficar inteiro, e te oferece um coração e
me faz relacionar que o que se tem no coração, é o que se oferece para o mundo.
Momento da recepção de Leandro Glauco - Foto: Edson Fernando
Leandro Glauco
Graduando de Licenciatura em Teatro.
Singelo
O singelo é algo
bonito e simples, por vezes despretensioso. Foi assim experimentar o contato
com a cena apresentada no microcosmos de uma caixa.
Bonitinho é como alguns ícones do
tropicalismo costumavam chamar coisas bonitas e corriqueiras, e neste momento
esta expressão me vem a mente de forma muito agradável, sem nenhuma conotação
pejorativa nisto.
O mergulho no universo da caixa, que se
extravasava através do som, compondo uma paisagem sonora, que mesmo rítmica e
continua, é leve diante da inocência e vivacidade da tentativa de se doar o
coração. Trata-se de uma cena que provavelmente rápido será esquecida e não
trará mudanças internas, mas que naquele instante da experiência, foi vivas e
doce, e sutilmente ainda deixa um resquício de uma fragrância suave no ar,
mesmo que nem se saiba de onde vem esse aroma, e neste momento isto pouco
importa.
Momento da recepção de Bernard Freire - Foto: Edson Fernando
Bernard Freire
Graduando em Licenciatura em Teatro
Vida. O eu de dentro pra ti, sem pudor, sem má intenção. De coração
aberto, pequeno, mas grande. Não somos um, somos todos na pulsação de amor,
ódio, mãos. É nessa caixa que a união se estabelece. O que é meu compartilho
com o mundo para os outros terem um pouco de mim.
Somos o desenho de gerações pinceladas nas vidas que se sucederam antes
de uma carne vermelha se dilatar na palma da mão.
No final assistiremos esse espetáculo por inteiro e agradeceremos de
coração o compartilhamento que a vida criou.