domingo, 31 de janeiro de 2016

A resistência Catártica do Coração - Por Raphael Andrade

Raphael Andrade: Ator, Graduando em Licenciatura em Teatro UFPA
Na noite de chuva torrencial do dia 16/12/2016, entrei no coletivo que narrou minha história. Sim, minha história. Porque falava do amor, sobretudo pela arte teatral – arte tão difícil de ser produzida nesse solo amazônico, onde a política cultural ainda está estagnada na “Belle Époque”.
Ao adentrar no ônibus lotado do “Cuíra” (que meses antes tinha sido despejado de seu espaço por falta de recursos) percebi, subitamente, porquê a parada de ônibus era ao lado do suntuoso Teatro da Paz. Que buzinaço nos ouvidos do poderio, heim? Remeteu ao mimo (mimus) da Grécia Antiga – que tinha a necessidade de autotransformação, mormente pela imigração que deveria ser feita para que a arte sobrevivesse.  
O espaço cênico lembrava uma alegoria de carnaval, todo enfeitado de lâmpadas de LED e máscaras carnavalescas dentro e fora do coletivo, remetendo-me a história da grande festa em honra ao deus grego Dionísio. Neste caso, as atrizes não usavam as máscaras para a encenação, e sim, encaravam as suas histórias sempre na primeira pessoa. Contando-nos suas vivencias na sexualidade, no amor proibido, nas lembranças da infância, do medo, alegrias, separações, frustações, perdas, ganhos e culminando no sentimento mais nobre que existe: o tal do amor.   
A “bebida” da grande festa ficou a cargo da sonoplastia que abrilhantou o espetáculo, com o intuito de trazer à tona a radionovela, estimulando a imaginação dos ouvintes entre uma pausa e outra na entrada das seis atrizes veteranas, que narravam e cantavam as suas vivências no amor e no teatro.
A dramaturgia não contém nada de extraordinário, muito pelo contrário, parecia por vezes redundante falar sobre a trajetória de vida do ser humano culminando no amor. Creio, se não fosse a presença cênica das atuantes e a ótima direção, o trabalho seria simplório. O que não acontece no “Auto do Coração” trabalho primoroso de todos os envolvidos no espetáculo. Mostrando-nos que um enredo comum, pode tornar-se grandioso quando se tem consciência do fazer teatral e, sobretudo amar o que se está fazendo – Amor este, que estava estampado no semblante das atuantes. O teatro, nesta terra papa chibé, é sintetizando pelos artistas com o clichê: Ame-o ou deixe-o. Neste caso, a escolha é amar.
No epílogo, as atrizes falam sobre seu amor à arte, que as (nos) embriaga, que por meio da catarse nos arrebata, nos exorciza nos faz sermos resistentes. Como nos diz a atriz/diretora Wlad Lima: “Acreditem: há políticas culturais no estado do Pará! Mas essas políticas não nos atingem, não somos beneficiados por elas".
Sintetizando: “Auto do coração” nos mostra com simplicidade o que se fala/ouve no ônibus: Amores, paixões, sofrimentos, dores, angústias e sucessivos sentimentos que nos sãos empíricos.
Obrigado grupo Cuíra, por nos fazer passear pelas ruas de Belém embriagando-nos de amor ao fazer teatral. Que venham mais temporadas. Nós merecemos!

31 de Janeiro de 2016.

FICHA TÉCNICA DO ESPETÁCULO: AUTO DO CORAÇÃO
Direção: Wlad Lima
Consultoria de Dramaturgia: Edyr Augusto Proença
Figurinos: Jeferson Cecim
Fotografia e filmagem: Alexandre Baena
Visualidade e Iluminação: Patrícia Gondim
Assistente: Bolyvar Melo
Projeto Gráfico: Breno Filo
Produção: Zê Charone e Cleide Quadros
Estagiária de produção: Dani Cascaes
Participações especiais: Larissa Latif e Paloma Amorim
Parcerias Musicais: Carol Magno, Diego Xavier, Natália Matos, Gabriela Gonçalves e Daiane Gasparetto
Trilha Sonora Original e Direção Musical: Renato Torres

ELENCO
Sônia Alão, Sandra Perlin, Olinda Charone, Leila Barreto, Wlad Lima e Zê Charone


Realização: Grupo Cuíra do Pará